Diário da posse ou Brasília dia 4 ou A Posse
Ontem, primeiro de janeiro de 2023, tomou posse em Brasília (DF), o presidente da República Federativa do Brasil, para o exercício do mandato 2023/26, Luís Inácio Lula da Silva do Brasil.
Quase duzentas mil pessoas ocuparam a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, numa festa popular que há muito o Brasil não via e, com certeza, demorará ainda uns anos para ver de novo, pelo menos em tamanho. Boa parte daquela gente chegou antes das 10 horas da manhã e uma parte considerável ainda estava lá a 1 e 30 da manhã de hoje, quando fui embora.
É difícil elaborar, no fogo do momento, qualquer consideração mais significativa sobre todo o abalo sísmico ocorrido, ontem, com o país, em cujo epicentro estava Brasília, a capital federal, e, mais particularmente, a cerimônia de posse e o Festival do Futuro.
Entretanto, eu não posso ver algo difícil que já lá quero botar. Se for impossível então, eu armo um circo.
O discurso de Lula após a subida da rampa e a emocionante passagem da faixa presidencial, operada por 8 pessoas (dentre elas, o cacique Raoni, o DJ e metalúrgico Weslley Rocha, a cozinheira Jucimara dos Santos), representadas por Aline Souza, presidenta da Central de Cooperativas de Trabalho de Catadores de Materiais Recicláveis (Rede Centcoop), foi emotivo e eletrizante.
Algo que não passou despercebido por leitoras/es desta novascarta, nem por mim, evidentemente, foi a assiduidade com que Luís Inácio lê esta missiva que escrevo sem qualquer regularidade ou pretensão. Não deixou de me impressionar que ele, às vésperas de ser empossado presidente da República, tenha lido o Diário da posse ou Brasília dia 1, escrito e divulgado no dia 29 de dezembro de 2022.
As coincidências são notáveis!
Disse eu, dia 29: “A fome não é decorrência climática, nem deficiência técnica, nem questão cultural de hábitos alimentares ou qualquer dessas pabulagens que circulam em artigos de jornal. A fome é resultado direto de uma organização socioeconômica que, em última análise, põe os lucros de um punhado de magnatas acima da vida de qualquer outra pessoa.” e disse Lula, dia 1: “A fome está de volta, e não por força do destino, não por obra da natureza nem por vontade divina, a fome. A volta da fome é um crime, o mais grave de todos cometido contra o povo brasileiro. A fome é filha da desigualdade, que é a mãe dos grandes males que atrasa o desenvolvimento do Brasil.”
Na novascarta do dia 29, este era o mote: o combate à fome deveria ser prioridade zero. Lula, no discurso da subida da rampa, falou 10 vezes a palavra fome (já a havia citado 7 vezes no discurso do Congresso Nacional), nenhuma outra questão social apareceu tanto.
Ele só não citou Josué de Castro para não dar muito na cara. CERTEZA!
Se alguém ainda duvida deste fato, veja bem isto: “lembrando-me de que a alegria deve voar sempre de olhos abertos, (…) também é certo dizer que um coração entristecido é de uma impotência brutal quanto a organizar ou desorganizar qualquer coisa que seja. (…) Quero ver todo mundo tomando banho no espelho d’água da Esplanada (ali mesmo onde Leandra tirou aquela foto linda em 2003), se abraçando e se amando! Porque, a partir do dia 2, não espero nada menos do que muita luta, peleja e enfrentamento para garantir que o novo governo Lula assuma para si o compromisso histórico de acabar com a fome no Brasil.”, disse eu, na novascarta do dia 29.
Lula, ontem, diante de milhões de brasileiras e brasileiros, assim concluiu o seu discurso (VEJA BEM!): “Quero terminar pedindo a cada um e a cada uma de vocês que a alegria de hoje seja a matéria-prima da luta de amanhã e de todos os dias que virão.”
Se vocês acreditam em coincidência, problema é de vocês!
De modos que eu tinha mais motivos para chorar do que todas as centenas de milhares de pessoas ao meu redor, de absolutamente todos os cantos do país, que também choravam encangadas umas nas outras, metafórica e não metaforicamente. Nunca abracei, beijei, ri, chorei e festejei com tanta gente (que me era) desconhecida. Fiz até um amigo de infância, Quinca! Uma delícia de bom caminho!
Ter olhado dentro dos olhinhos de Lula de tão pertinho fez a multidão entrar no modo minha carne é de carnaval!
O caso é que Lula discursou três vezes, a saber, no Congresso Nacional, no Palácio do Planalto e, por último, no palco do Festival do Futuro. Nem uma hora de falação (ai que saudade de Fidel!), mas inúmeras horas de repercussão (dizem que Gerson Camarotti precisou ser socorrido às pressas quando Lula denunciou o abismo social inadmissível do que se locupletam os patrões dele).
As palavras ditas por Lula ontem já são história e, sem sombra de dúvidas, estarão nos livros de História do futuro próximo.
Contudo, depois da catarse/sessão de descarrego de dimensões continentais do último dia de 2022 e da emoção imensa de assistir aos discursos do Barba, no primeiro dia de 2023, era fundamental um respiro de festa pura e simples, vadiagem com vê de Vitória!
Foi o que se deu com o Festival do Futuro!
Logo na abertura, em vez daquela cafonice meio catupiry meio pachequismo filopopular, uma peça artística tonitruante cuja implosão de gêneros me espantou explodiu nos telões. Aquilo era fotografia, bricolagem, audiovisual, poesia, toré, maquiagem, música, eletrocanção, palavra de ordem, denúncia, grito e gozo.
Arte de vanguarda no centro da política!
O que era aquilo?? Só sei que perdi a dimensão da multidão e, por uns minutos, parecia estar sozinho diante do telão.
Lirinha, um dos tantos pernambucanos, conterrâneos de Lula, afinal, o meu país Pernambuco muito dá de sobra a este país Brasil, a se apresentarem no festival, tentou fazer chover, como tantas vezes já o vi fazer no Marco Zero ou na Rua da Moeda. Não deu. Talvez seus poderes artístico-xamânicos tenham circunscrição reduzida, ou seja, só funcionam no país de Gonzagão.
Eu até me convenci de que ele conseguiria quando começou a declamar meu povo não vá-se embora pela Itapemirim pois que senti uns respingos no rosto, mas era apenas um rapaz falando ao meu lado. Pela chapa, ele estava bebendo desde antes do padeiro ligar o forno, motivo pelo qual perdoei os perdigotos não consentidos, afinal, carnaval é isso e mais.
Assistir a, num mesmo lugar, palco, vida, momento histórico, GOG e Rappin Hood, Alessandra Leão, Odair José e Otto, Jards Macalé, Aline Calixto e Fernanda Takai, dentre tantas outras e outros, e ir embora ao som de Margareth Menezes, ministra da cultura, cantando com BaianaSystem, todo mundo junto e emocionado, chorando de sorrindo, feliz com a vitória eleitoral sobre os fascistas, foi uma experiência libertadora!
Acordei às 6h30 ainda com a sensação gozosa espalhando-se por boca, mãos, peito, poros!
A loucura foi tamanha que uma amiga relatou ter passado quarenta minutos rodando atrás de vaga de quarto num motel, tendo encontrado apenas uma já saindo do DF, num motel de luxo dos anos 80 agora acessível a uma pequena parcela da classe trabalhadora (o que, no Brasil, constitui quase um bolchevismo sexual).
Era amor (era piranhagem também) e não era cilada!
Aliás, por falar nisso, obrigado às amigas e aos amigos que se preocuparam com o meu coração, mas não, infelizmente para mim e felizmente para ela, eu e Leandra não nos encontramos no meio da festa.
Uma pena, mas a vida é longa!
Imagino que cada uma e cada um de vocês tenham experienciado este momento histórico do Brasil de forma diferente, mas igualmente significativa. Espero que tenham chorado de sorrir tanto quanto eu, que desidratrei sob o Sol incandescente que fez ontem e que faz agora em Brasília.
Ainda tem isso, né? Eu cheguei dia 29 e fez um dia feíssimo. Mesma coisa dia 30 e durante quase todo o dia 31, o que nos fez cogitar a possibilidade de assistir à posse debaixo de chuva. Porém, o ano virou com céu limpo e dia primeiro de janeiro de 2023 fez um Sol de estalar graveto e fazer marquinha em gente com corpo em situação de praia.
Ontem, e isso escrevo de olhos marejados sem medo algum de parecer piegas (medo tenho eu de parecer apático e enfastiado), tomaram posse Luís Inácio Lula da Silva, a alegria, a esperança e o Sol!
Até ontem foi dia de comemorar a volta de um país que pode ser algo além de um fazendão escravocrata governado por gângsters. Agora, de coração quentinho e total amoridade, vamos à luta por uma nação solidária que não pare em nós!
Um cheiro,
Yuri.
lindo demais o seu escrever!